RESTOS A PAGAR – Uso de orçamento paralelo


Semana passada li um artigo publicado a poucos meses sobre o uso dos restos a pagar e como eles se transformaram em um orçamento paralelo dentro da Administração Pública Brasileira [1].

Os resultados indicam que, além do crescente endividamento, a fraca regulação sobretudo dos restos a pagar não processados está reduzindo seriamente a credibilidade e a transparência do orçamento em todos os níveis de governo.

No governo federal os restos a pagar cresceram de 33 para 227 bilhões de 2003 a 2014, um aumento de 277% em valores atualizados. Nos estados este aumento foi de 161% e nos municípios de 242%.

Com as consequências desses resultados o propósito da existência da LRF já caiu por terra, aliás, ultimamente, o que tem se visto com a gestão fiscal brasileira é de se dar vergonha, sucessivos déficits a nível nacional, sem se falar nas mudanças de metas fiscais no calar na noite para evitar os descumprimentos das metas pré-estabelecidas na LDO.

Já que falei na LRF, vale a pena ressaltar que estes aumentos nos restos a pagar é justamente decorrente da brecha dessa lei, pois a norma veda “apenas” défict financeiro decorrente dos últimos oito meses de mandato. Assim, os gestores podem durante seus três anos e quatro meses de mandato acumular restos a pagar sem lastro financeiro que não estará descumprindo a norma. Bem, esse é o raciocínio de muita gente, claro que não deveria ter razão de existir, pois a LRF veio justamente para trazer equilíbrio as contas públicas. Entretanto, como reforço dos pensamentos dos primeiros, o estudo traz como resultado que os Tribunais de Contas não têm entendimento consolidado sobre a matéria, o que beneficia este aumento dos restos a pagar sem dinheiro em caixa.

E o que isso tudo acarreta?  O orçamento público se transforma em um filme de ficção científica, até porque o princípio da anualidade e do equilíbrio não estão existindo na prática. As receitas futuras estão sendo comprometidas com despesas passadas, o que causa novos desequilíbrios e isso se transforma em uma bola de neve. Apesar de que, as vezes, as gestões novas terem alguns “gênios” que entendem que ao se começar uma nova gestão, o novo chefe do poder executivo não tem a obrigação de pagamento desses restos a pagar, até mesmo porque se forem efetuar o pagamento no montante da dívida que recebem, não vão fazer mais nada e irão receber a conta perante a população. Na realidade, pensando bem, é até compreensível, tomando como base que essa prática já é decorrente de outro flagrante a legislação que é o não cumprimento do pagamento por ordem cronológica, logo eles não pagam mesmo e não há cobrança pelos órgãos fiscalizadores, assim não são prejudicados e não sendo, não há o que cobrar punições aos gestores anteriores, assim ficam todos bem, com exceção de quem tomou o calote é claro. 

Depois de toda essa leitura, só reforcei um pensamento que já tenho há algum tempo, com todas as mudanças ocorridas dentro da contabilidade pública, não entendo o porquê da existência ainda dos restos a pagar não processados, ora, se tais despesas não foram liquidadas dentro do exercício financeiro, tais empenhos deveriam ser anulados. Entretanto, alguém pode falar: se anular, iremos comprometer o orçamento do ano que vem. Ok, mas se existem saldos financeiros para futura execução, que abram créditos adicionais utilizando o superávit financeiro no orçamento subsequente. Tal medida seria necessária para afastar o uso indevido dos restos a pagar não processados. Talvez aí esteja o problema, os legisladores querem continuar utilizando restos a pagar sem o dinheiro está olhando para a conversa.

O que você acha?

[1] AQUINO, A. C. B. de. AZEVEDO, R. R. de. Restos a pagar e a perda da credibilidade orçamentária. Revista de Administração Pública. P. 580-595, Jul./Ago. 2017.

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